quarta-feira, 25 de outubro de 2023

SEE - MG (2023): Sartre, Raça, Classe

O preto, como o trabalhador branco, é vítima da estrutura capitalista de nossa sociedade; tal situação desvenda-lhe a estreita solidariedade, para além dos matizes da pele, com certas classes de europeus oprimidos como ele; incita-o a projetar uma sociedade sem privilégio em que a pigmentação da pele será tomada como simples acidente. Mas, embora a opressão seja única, ela se circunstancia segundo a história e as condições geográficas: o preto sofre o seu jugo, como preto, a título de nativo colonizado ou de africano deportado. E, posto que o oprimem em sua raça, e por causa dela, é de sua raça, antes de tudo, que lhe cumpre tomar consciência. Aos que, durante séculos, tentaram debalde, porque era negro, reduzi-lo ao estado de animal, é preciso que ele os obrigue a reconhecê-lo como homem. Ora, no caso, não há escapatória, nem subterfúgios, nem passagem de linha a que possa recorrer; um judeu branco entre os brancos pode negar que seja judeu, declarar-se homem entre homens. O negro não pode negar que seja negro ou reclamar para si esta abstrata humanidade incolor: ele é preto. Fonte: SARTRE, Jean- Paul. Orfeu negro. In: Reflexão sobre o racismo. São Paulo: Difel, 1960, p. 111. 

De acordo com trecho, assinale a afirmativa que interpreta corretamente a concepção de Sartre sobre os conceitos de raça e classe. 

(A) Subestima a experiência histórica como determinante para confirmar a coesão presente no significado de classe. 

(B) Reproduz o discurso de democracia racial ao considerar única a opressão sofrida pelos grupos sociais. 

(C) Estabelece relação entre raça e classe compreendendo sua indissociabilidade para reivindicação de direitos. 

(D) Reduz a noção de raça a classe social ao identificar a opressão aos negros como socioeconômica.

SEE - MG (2023): Engels, Materialismo histórico

 As causas profundas de todas as transformações sociais e de todas as revoluções políticas não devem ser procuradas nas cabeças dos homens nem na ideia que eles fazem da verdade eterna ou da eterna justiça, mas nas transformações operadas no modo de produção e de troca. ENGELS, Friedrich. Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, 1880. (Adaptado) 

As afirmativas a seguir descrevem corretamente o conceito de materialismo histórico, à exceção de uma. Assinale-a. 

(A) Concebe a acumulação material e as forças produtivas como elementos fundamentais para entender as relações sociais.

 (B) Entende a interpretação histórica das dinâmicas sociais como engrenagem para transformações sociais. 

(C) Compreende os fenômenos sociais por meio de referenciais idealistas filosóficos plasmados na sociedade. 

(D) Interpreta a realidade social por meio das relações produtivas como resultado de seu próprio tempo.

SEE - MG ( 2023): Weber, Ação Social

 No naufrágio de 1631 no Golfo do México, a caravela Nossa Senhora do Juncal foi surpreendida por uma forte tormenta que ao perigar afundar, o almirante com dois nobres passageiros concedeu ajudar os marinheiros na tarefa de soltar os cabos para jogá-los ao mar. Como o intento resultou difícil, os três homens decidiram que parecia pouco digno ou honroso para suas respectivas classes sociais acabar seus dias exercendo trabalhos físicos e por isso se recolheram na câmara da popa para se prepararem para a morte.

PÉREZ, Pablo Mallaína. La creación de la Universidad de Mareante. Cuadernos Monográficos del Instituto de Historia y Cultura Naval. (Adaptado)

Segundo Max Weber, o evento histórico descrito no texto exemplifica um tipo de ação social

(A) tradicional.

(B) afetiva.

(C) racional baseada no fim.

(D) racional baseada no valor. 

Patrimônio Cultural, Néstor García Canclini, Antropologia

 Leia o texto abaixo:

“O patrimônio cultural expressa a solidariedade que une os que compartilham um conjunto de bens e práticas que os identifica, mas também costuma ser um lugar de cumplicidade social.”

CANCLINI, Néstor García. O patrimônio cultural e a construção imaginária do nacional. Separata de: Revista do Patrimônio. ?, n. 23, p. 95 – 115, 1994.

A respeito dos usos do patrimônio, segundo o antropólogo argentino Néstor Garcia Canclini, assinale a alternativa INCORRETA:

A) A ação privada é regida pelas necessidades de acumulação econômica. Contudo, a ação privada nem sempre pode ser reduzida a uma simples agressão ao patrimônio, posto que alguns grupos apreciam o valor simbólico que incrementa o valor econômico.

B) O Estado valoriza o patrimônio como elemento integrador da nacionalidade. O alto prestígio é um recurso para se legitimar e obter consenso.

C) O interesse dos movimentos sociais no patrimônio evidencia que a questão do patrimônio não é apenas do Estado. Compreende-se que se não houver mobilização social pelo patrimônio, será difícil que o governo vincule às necessidades atuais e cotidianas da população.

D) Apenas os bens históricos que têm valor em si mesmos devem receber conservação, independentemente do uso atual, pois a arte não deve servir a propósitos utilitaristas e apenas o belo deve ser preservado.

O Analfabeto Político, Bertold Brecht, Política, Cidadania

 Leia o texto e responda as questões abaixo:

O ANALFABETO POLÍTICO (adaptado para o Ens. Fundamental)

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. 

Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas. 

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. 

Não sabe o tolo que da sua ignorância política nasce a mulher pobre, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.

VOCABULÁRIO

 

Estufar – Inflar, encher

Vigarista – aquele que, através de um ato de má-fé, tenta ou consegue lesar ou ludibriar outrem, com o intuito de obter para si uma vantagem; embusteiro, trapaceiro

Pilantra – diz-se de ou pessoa de mau caráter; desonesto.

Lacaio - indivíduo servil, que se humilha para conseguir favor ou vantagemcapacho


SOBRE O AUTOR

 

Bertolt Brecht (1898-1956) foi um dramaturgo, romancista e poeta alemão, criador do teatro épico anti-aristotélico. Sua obra fugia dos interesses da elite dominante, visava esclarecer as questões sociais da época.


1) Quem é o pior analfabeto segundo o texto?

A) Aquele que não sabe ler e nem escrever.

B) Aquele que sabe ler e escrever, mas não se interessa por política.

 

2) Qual a importância de acompanhar decisões políticas?

A) Acompanhar os políticos e suas decisões que impactam o custo de vida no dia a dia.

B) Para se conformar com as decisões e elogiar os políticos

 

3) Por que o analfabeto político é considerado burro?

A) Porque apenas os políticos são espertos.

B) Porque ele tem orgulho de não se interessar por política.

 

4) Quais as consequências de um povo que não se interessa por política?

A) Paz e ordem na sociedade.

B) Miséria para o povo que é explorado sem saber.

 

5) Qual é o pior bandido segundo o poema:

A) Aquele que rouba o povo ou que serve àqueles que exploram o povo.

B) O pior bandido é o que assalta à mão armada.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

SEE - MG (2023): Simmel, Pobreza, Cidadania

Os pobres não são apenas pobres, eles são também cidadãos. Enquanto tais, eles participam dos direitos que a lei atribui à totalidade dos cidadãos de acordo com a obrigação do Estado de prestar assistência aos pobres. Portanto, o direito correspondente à obrigação do Estado de assistir ao pobre não é o direito do pobre, mas aquele de qualquer cidadão. Sociologicamente, o importante é compreender que a posição particular que os pobres assistidos ocupam não impede sua integração no Estado, como membros de uma unidade política total. Apesar de sua situação em geral tornar sua condição individual um fim externo ao ato de assistência, e, por outro lado, um objeto inerte, destituído de direitos nos objetivos gerais do Estado, [...] que parecem colocar os pobres fora do Estado, eles estão ordenados de forma orgânica no interior deste. Em princípio, aquele que recebe uma esmola dá também alguma coisa; há uma difusão de efeitos indo dele ao doador e é precisamente o que converte a doação em uma interação, em um acontecimento sociológico.

SIMMEL, G. Les pauvres. Paris: Presses Universitaires de France, 1998.

As afirmativas a seguir apresentam interpretações do texto que consideram os direitos e as obrigações do Estado em relação aos pobres, à exceção de uma. Assinale-a.

(A) Afirma o pertencimento dos pobres à categoria de sujeitos de direito.

(B) Considera os vínculos sociais entre indivíduo e o coletivo baseados nas relações de reciprocidade.

(C) Confirma o direito individual do pobre em recorrer à assistência do Estado.

(D) Reconhece a diferenciação dos pobres na condição de cidadãos em relação aos outros integrantes da comunidade. 

SEE - MG (2023): Interseccionalidade

 Leia o trecho a seguir, adaptado da resposta de uma entrevistada.

Em um país onde negros são assassinados com frequência ao andarem por suas comunidades ou carregarem um guarda-chuva e mulheres transexuais são espancadas, violentadas e destinadas a prostituição, se unir por uma causa é a solução que mulheres negras e mulheres transexuais encontraram para ganhar força. É triste observar grupos que nos ignoram e excluem de pautas que nos interessam ou se quer ouvem nosso sofrimento, nos diminuindo a uma questão biológica. Sei que homens fazem coisas terríveis para essas mulheres e que o sofrimento pode gerar raiva e angústia, mas também sei que generalizar não é a solução, pois conheci feministas radicais que foram duríssimas comigo e me humilharam. Adaptado de: https://contrapontodigital.pucsp.br/noticias/

De acordo com o conceito de interseccionalidade, assinale a afirmativa que interpreta corretamente a resposta da entrevistada.

(A) Avalia setores do movimento feminista como discriminatórios por desconsiderarem as diversidades de opressões sofridas por mulheres.

(B) Considera o feminismo como um impedimento para alcançar os direitos civis das mulheres negras e transexuais.

(C) Correlaciona raça, classe e gênero ao citar o rompimento de mulheres negras e transexuais com o movimento feminista.

(D) Assente a representação ameaçadora da participação de mulheres negras e transexuais no movimento feminista, justificada pelo fator biológico.

SEE - MG (2023) : Durkheim, fato social

 A nossa regra reclama do sociólogo que este adote o estado de espírito em que se colocam os físicos, os químicos ou os fisiologistas, quando se embrenham numa região ainda inexplorada do seu domínio científico. O sociólogo, ao penetrar no mundo social, precisa ter consciência de que penetra no desconhecido; é preciso que ele se sinta em presença de fatos cujas leis lhe são tão insuspeitas como eram as da vida antes da biologia se ter constituído; é preciso que esteja preparado para fazer descobertas que o surpreenderão e o desconcertarão. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

De acordo com o trecho, assinale a opção que apresenta corretamente uma regra metodológica do tratamento do objeto sociológico de Emile Durkheim.

(A) Distanciamento das pré-noções do sociólogo em relação ao fato social analisado.

(B) Redução do fato social aos fatos naturais estudados pelos biólogos.

(C) Adoção do interesse especulativo como princípio da investigação sociológica.

(D) Considerar o fato social como inteligível a partir de evidências constituídas pela experiência sensível.

Perspectivismo, Animismo, Eduardo Viveiros de Castro, Philip Descola

 Leia o texto abaixo para responder as próximas três questões.

 

É comum encontrar-se na etnografia americana a ideia de que, para os índios, os animais são humanos. Tal formulação condensa uma nebulosa de concepções sutilmente variadas, que não cabe aqui elaborar: não são todos os animais que são humanos, e não são só eles que o são; os animais não são humanos o tempo todo; eles foram humanos mas não o são mais; eles tornam-se humanos quando se acham fora de nossas vistas; eles apenas pensam que são humanos; eles veem-se como humanos; eles têm uma alma humana sob um corpo animal; eles são gente assim como os humanos, mas não são humanos exatamente como a gente; e assim por diante. Além disso, 'animal' e 'humano' são traduções equívocas de certas palavras indígenas – e não esqueçamos que estamos diante de centenas de línguas distintas, na maioria das quais, aliás, a cópula não costuma vir marcada por um verbo. Mas não importa, no momento. Suponhamos que enunciados como "os animais são humanos" ou "certos animais são gente" façam algum sentido, e um sentido que nada tenha de 'metafórico', para um dado grupo indígena. Tanto sentido, digamos (mas não exatamente o mesmo tipo de sentido), quanto o que a afirmação aparentemente inversa, e hoje tão pouco escandalosa "os humanos são animais", faz para nós.” Suponhamos, então, que o primeiro enunciado faça sentido para, por exemplo, os Ese Eja [povo indígena] da Amazônia boliviana: "A afirmação, que eu frequentemente ouvi, de que 'todos os animais são Ese Eja'

 

Pois bem. Isabella Lepri, estudante de antropologia que hoje trabalha, por coincidência, junto a esses mesmos Ese Eja, perguntou-me, penso que em maio de 1998, se eu acreditava que os pecaris são humanos, como dizem os índios. Respondi que não – e o fiz porque suspeitei (sem nenhuma razão) que ela acreditava que, se os índios diziam tal coisa, então devia ser verdade. Acrescentei, perversa e algo mentirosamente, que só 'acreditava' em átomos e genes, na teoria da relatividade e na evolução das espécies, na luta de classes e na lógica do capital, enfim, nesse tipo de coisa; mas que, como antropólogo, tomava perfeitamente a sério a ideia de que os pecaris são humanos. Ela me contestou: "Como você pode sustentar que leva o que os índios dizem a sério? Isso não é só um modo de ser polido com seus informantes? Como você pode levá-los a sério se só finge acreditar no que eles dizem?"

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Mana 8 (1). Abril 2002, p. 132-133.

 

1) Sobre o modo como a antropologia lidou com este dilema assinale a alternativa INCORRETA:

 

A) No início do séc. XX, antropólogos como Lucien Levy-Bruhl argumentavam que este tipo de afirmação indígena ignorava os princípios da causalidade e da contradição e, portanto, pertenciam a um estado pré-lógico.

B) Segundo Eduardo Viveiros de Castro, quando os indígenas afirmam algo como “os porcos são humanos”, o que o antropólogo deve se perguntar não é se “acredita ou não” que os porcos sejam humanos, mas o que uma ideia como essa lhe ensina sobre as noções indígenas de humanidade.

C) Atualmente, de modo geral, a antropologia sustenta que, diante de frases indígenas que afirmam coisas como “os porcos são humanos”, é perfeitamente possível para o antropólogo levar a sério os indígenas acreditando no que eles dizem e, ao mesmo tempo, levar a sério a própria cultura ocidental que não considera que porcos sejam humanos sem precisar questionar os pressupostos da própria cultura.

D) Em meados do séc. XX, os antropólogos perceberam que não era mais possível sustentar teses preconceituosas de que os povos indígenas seriam pré-lógicos, mas também não conseguiam sustentar que “os porcos são humanos”, então resolveram o dilema transformando a afirmação indígena em metáfora, representação, alegoria, analogia: “os porcos são como humanos”.

 

2) A relação entre humanos e não-humanos, os povos não se diferem apenas em suas culturas, mas também no entendimento de suas naturezas cosmológicas e, de modo geral, Philip Descola percebeu quatro modos de classificação no globo: animismo, totemismo, naturalismo e analogismo. Sobre essas classificações, assinale a alternativa CORRETA:

A) No animismo, as entidades são semelhantes em seus aspectos espirituais, mas diferem em virtude do tipo de corpo.

B) No Naturalismo, as entidades não compartilham dos aspectos físicos do globo, mas se assemelham com base em características mentais ou espirituais, seria o caso do Ocidente.

C) No totemismo, não há nem compartilhamento de semelhanças físicas nem espirituais.

D) No analogismo, há compartilhamento de semelhanças físicas e espirituais.

 

3) “Enquanto os pesquisadores, tanto das ciências duras [exatas, naturais] quanto das ciências humanas, concordam igualmente com a noção de que há apenas uma natureza e muitas, Eduardo Viveiros de Castro quer levar o pensamento amazônico a tentar ver como o mundo inteiro seria se todos os seus habitantes tivessem a mesma cultura e muitas naturezas diferentes.” (LATOUR, Bruno. Perspectivismo: “tipo” ou “bomba”? 2011, p. 176). Sobre o conceito de perspectivismo em Eduardo Viveiros de Castro, assinale a alternativa INCORRETA:

A) Os ameríndios propõem que todo existente pode ser pensado como pensante (isto existe, logo isto pensa”).

B) a ideia de que os agentes não-humanos percebem-se a si mesmos e a seu comportamento sob a forma da cultura humana.

C) para nós “o homem é um lobo para o homem”, para os índios é o lobo que pode ser um homem para o lobo – mas ainda assim o homem e o lobo não podem ser ambos ou homens, ou lobos ao mesmo tempo.

D) Nas cosmologias ameríndias, as diferenças de mundo ocorrem porque cada espécie interpreta diferentemente a mesma realidade física.

UFPR 2023/2024 - Nancy Fraser, Redistribuição, Reconhecimento

 - No artigo Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era pós-socialista, Nancy Fraser trata do dilema entre duas demandas de justiça, típicas de nossa era: demandas por redistribuição e demandas por reconhecimento. De acordo com a autora, esse dilema reside no fato de que: 

A) demandas por redistribuição requerem a transformação da sociedade, ao passo que demandas por reconhecimento, não. 

B) a correção de injustiças distributivas produz injustiças de reconhecimento e vice-versa. 

C) lutas por reconhecimento são prioritárias, pois diferenças culturais determinam as econômicas. 

D) lutas por reconhecimento desmobilizam as lutas por distribuição. 

E) a lógica da redistribuição é a de acabar com a diferença entre os grupos, enquanto a lógica do reconhecimento é a de valorizar diferenças.

UFPR 2023/2024 - Karl Marx, Alienação, Religião, Materialismo Histórico Dialético

 “Na passagem do idealismo para o materialismo dialético, Ludwig Feuerbach (1804-1872), hegeliano de esquerda, foi uma figura-chave. Feuerbach sustentava que a alienação fundamental tem suas raízes no fenômeno religioso, que cinde a natureza humana, fazendo com que os homens se submetam a forças divinas, as quais, embora criadas por eles próprios, são percebidas como autônomas e superiores. O mundo religioso é concebido por Feuerbach como uma projeção fantástica da mente humana, por isso mesmo alienada. A supressão desse mundo, por meio da crítica religiosa, faria desaparecer a própria alienação, promovendo a liberdade de consciência. Embora inicialmente seduzidos pelas teses de Feuerbach, logo Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) rebateram-nas vigorosamente por considerarem tal crítica religiosa uma simples ‘luta contra frases’. É nesse ponto que a teoria marxista articula a dialética e o materialismo sob uma perspectiva histórica, negando, assim, tanto o idealismo hegeliano quanto o materialismo dos neo-hegelianos”. 

QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Marcia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. p. 27-28.

Considerando o trecho acima sobre a relação de Karl Marx e Friedrich Engels com a obra de Ludwig Feuerbach, é correto afirmar: 

A) A teoria social marxista diferia da análise realizada por Feuerbach porque, segundo Marx e Engels, seria possível considerar a religião como um conjunto de crenças passível de coexistência com o materialismo histórico, desde que os fundamentos da economia política não interferissem nas liturgias do catolicismo e do protestantismo. 

B) Marx e Engels questionavam o materialismo feuerbachiano, que se limitava a captar o mundo como objeto de contemplação da consciência religiosa, porque para ambos a alienação estava associada às condições materiais de vida e somente a transformação do processo da vida real poderia eliminá-la. 

C) A crítica de Marx e Engels à teologia de Feuerbach deu-se, sobretudo, pelo fato de que este último pretendia fazer do cristianismo uma nova filosofia que se opunha aos princípios comunistas, logo, poderia servir aos propósitos de uma existência alienada e fundamentalista. 

D) Embora a crítica de Marx e Engels a Feuerbach tenha sido bastante severa, não houve modificações significativas na teoria social marxista, que continuou a figurar apenas como uma crítica à religião e uma subsunção ao comunismo como corrente política contrária à luta de classes. 

E) A articulação entre dialética e materialismo histórico deu à teoria feuerbachiana um componente revolucionário que Marx e Engels foram incapazes de formular, seja porque ambos desconsideravam o papel da religião nas sociedades modernas, seja porque eles nunca deixaram de ser neo-hegelianos.

UFPR 2023/2024 - Darcy Ribeiro, Miscigenação, Democracia Racial, Assimilacionismo

 - “Nós surgimos, efetivamente, do cruzamento de uns poucos brancos com multidões de mulheres índias e negras. Essa situação não chega a configurar uma democracia racial, como quis Gilberto Freyre e muita gente mais, tamanha é a carga de opressão, preconceito e discriminação antinegro que ela encerra. Não o é também, obviamente, porque a própria expectativa de que o negro desapareça pela mestiçagem é um racismo. [...] O aspecto mais perverso do racismo assimilacionista é que ele dá de si uma imagem de maior sociabilidade, quando de fato, desarma o negro para lutar contra a pobreza que lhe é imposta, e dissimula as condições de terrível violência a que é submetido. [...] Tudo isso demonstra, claramente, que a democracia racial é possível, mas só é praticável conjuntamente com a democracia social. Ou bem há democracia para todos, ou não há democracia para ninguém”. 

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1995. p. 225-227. 

No que concerne ao tema da democracia racial expressa no fragmento acima, é correto afirmar: 

A) A democracia social possui maior viabilidade que a democracia racial, pois esta última apenas acentua os traços conflitivos entre diferentes classes sociais que compõem a sociedade brasileira, enquanto a democracia social daria condições efetivas de construção de uma sociedade sem classes. 

B) A mestiçagem é uma forma de racismo dissimulado, que impede a construção de uma sociedade fundada na ideia de democracia racial e, portanto, oblitera a realização de uma democracia social, livre de qualquer luta de classe entre brancos e negros. 

C) A assimilação da população negra pela sociedade branca é um fator importante na construção de uma resistência antirracista, sobretudo porque se soma aos elementos da cultura indígena presente na sociedade brasileira e firma um pacto social pela diversidade étnica. 

D) A democracia racial é uma tese sociológica problemática na medida em que ela está relacionada aos princípios da luta de classes e não promove a integração racial mas, ao contrário, a disputa étnica entre diferentes grupos que buscam o domínio político na democracia social. 

E) A tese da democracia racial, empregada para ensejar a integração entre diferentes etnias que formaram a sociedade brasileira, deixa de ser realmente democrática quando empregada para justificar o apagamento das culturas africanas, o qual anula seu caráter de resistência quando da incorporação da população negra à sociedade branca.

UFPR 2023/2024 - Sociologia, Racismo, Poder

 - “O racismo avoluma e desfigura o rosto da cultura que o pratica. A literatura, as artes plásticas, as canções para costureirinhas, os provérbios, os hábitos, os patterns, quer se proponham a fazer-lhe o processo ou banalizá-lo, restituem o racismo. O mesmo é dizer que um grupo social, um país, uma civilização, não podem ser racistas inconscientemente. [...] O racismo não é uma descoberta acidental. Não é um elemento oculto. Não se exigem esforços sobre-humanos para o pôr em evidência. O racismo entra pelos olhos adentro precisamente porque se insere num conjunto caracterizado: o da exploração desavergonhada de um grupo de homens sobre outro que chegou a um estágio de desenvolvimento técnico superior. É por isso que, na maioria das vezes, a opressão militar e econômica precede, possibilita e legitima o racismo”. 

FANON, Frantz. Racismo e cultura. Brasil: Terra sem Amos, 2022. p. 18-19. 

Considerando a descrição apresentada pelo autor sobre a relação entre cultura e racismo, é correto afirmar: 

A) As sociedades contemporâneas não devem se preocupar em combater o racismo, pois já se produz literatura, artes plásticas, canções e demais manifestações culturais que deslegitimam qualquer forma discriminatória que tenha por base as noções de raça. 

B) Embora o racismo possua componentes culturais que estão dispostos em diferentes práticas sociais e na circulação de ideias, ele não pode ser considerado um racismo estrutural, pois manifestações literárias, musicais e artísticas não dizem respeito à estrutura social, mas à cultura de uma dada sociedade. 

C) O racismo não deve ser compreendido como um fenômeno social isolado que resulta unicamente da relação discriminatória entre diferentes etnias, mas como um componente estrutural que reforça a distinção entre diferentes grupos étnicos que se reproduz cultural e ideologicamente. 

D) O racismo flagrante nas sociedades contemporâneas independe de formas de dominação estrutural ou distinção social, mas se apresenta como resultado da opressão militar e econômica de uma sociedade organizada a partir das noções de embranquecimento. 

E) O ocultamento do racismo é presente nas sociedades com grande desigualdade social, sobretudo em virtude da cultura que encobre as relações de dominação e impede que se combata as relações estruturais de discriminação e opressão social.

UFPR 2023/2024 - Gênero, Sociologia

 - “Desenvolver uma reflexão sociológica sobre a participação de mulheres no desenvolvimento da Sociologia implica incluir, tanto as ideias daquelas que produziram em ambientes legitimados, quanto daquelas que atuaram nas margens e que, por circunstância de classe, raça ou nacionalidade foram relegadas ao esquecimento [...]. Ao frisarmos a importância de lermos e estudarmos suas obras, não o fazemos simplesmente com base no argumento de que é preciso incluir mulheres no cânone, mas pela constatação que por meio de suas obras podemos trazer para a órbita da Sociologia clássica uma série de temas e perspectivas que não estão contempladas atualmente: vida privada, cotidiano, intimidade, família, casamento, sexualidade e divisão sexual do trabalho são alguns dos temas mais evidentes nas suas obras”. 

DAFLON, Veronica Toste; CAMPOS, Luna Ribeiro [org.]. Pioneiras da sociologia: mulheres intelectuais nos séculos XVIII e XIX. Niterói: EdUFF, 2022. p. 18-19. 

Considerando a reflexão apresentada pelas autoras sobre mulheres sociólogas, é correto afirmar que:

A) o trabalho de teorização de mulheres na sociologia contribui para pensar a relação entre gênero e as diversas instituições, mas também possibilita colocar novos desafios a análises hegemônicas sobre o poder, a solidariedade, desigualdades e outros processos sociais que marcaram o mundo moderno e contemporâneo. 

B) a reflexão sociológica desenvolvida por mulheres favorece a construção de um questionamento crítico do conhecimento criando condições epistemológicas para o banimento da chamada sociologia clássica dos currículos escolares e das pesquisas em ciências sociais. 

C) as chamadas “pioneiras da sociologia”, ao incorporarem o tema de gênero no campo das ciências sociais, denotam o esforço de recompor as tradições sociológicas do século XIX e elaborar uma crítica contundente sobre os movimentos feministas dos séculos XX e XXI. 

D) a sociologia sempre teve participação das mulheres no processo de elaboração das teorias sociais sobre a vida moderna e contemporânea, mas que não foram suficientemente eficazes porque a questão do gênero ocupou centralidade analítica em seus sistemas teóricos. 

E) a construção do cânone sociológico, via de regra, sempre considerou a participação de mulheres na formulação dos sistemas e das teorias sociais, visto que a discussão de classe, raça ou nacionalidade prescinde da questão de gênero, pois diz respeito a qualquer cidadão do mundo moderno e contemporâneo.

UFPR 2023/2024 - Max Weber, Ciência, Objetividade, Neutralidade

 - “Max Weber (1864-1920) endossa o ponto de vista segundo o qual as ciências sociais visam a compreensão de eventos culturais enquanto singularidades. O alvo é, portanto, captar a especificidade dos fenômenos estudados e seus significados. Mas sendo a realidade cultural infinita, uma investigação exaustiva, que considerasse todas as circunstâncias ou variáveis envolvidas num determinado acontecimento, torna-se uma pretensão inatingível. Por isso, o cientista social precisa isolar, da ‘imensidade absoluta, um fragmento ínfimo’ que considera relevante. [...] Pode-se dizer, então, que o particular ou o específico não é aquilo que vem dado pela experiência, nem muito menos o ponto de partida do conhecimento, mas o resultado de um esforço cognitivo que discrimina, organiza e, enfim, abstrai certos aspectos da realidade na tentativa de explicar as causas associadas à produção de determinados fenômenos”. 

QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Marcia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. p. 100.

Considerando o trecho acima, assinale a alternativa que apresenta corretamente a definição de objetividade da pesquisa científica, segundo Weber. 

A) Todo contexto histórico implica a existência de certas visões de mundo que, por sua vez, correspondem à adoção de categorias próprias de uma dada sociedade que, ao produzir conhecimento, assume para si a ideia de neutralidade axiológica e constitui a objetividade sem a necessidade de qualquer recorte particular da realidade. 

B) A compreensão dos fenômenos sociais implica a construção de uma ciência que seja absolutamente neutra, pois somente nessas condições é que se pode anular os interesses subjetivos do pesquisador e alcançar a objetividade científica absoluta nas ciências sociais. 

C) Os aspectos particulares e específicos de uma dada ciência, por si só, já exprimem a objetividade científica, pois são resultado da criação de categorias teóricas formuladas a partir de metodologia verificada e chancelada pela comunidade científica na área das ciências sociais. 

D) O critério de seleção operante nesse processo é dado pelo significado que certos fenômenos possuem, tanto para o pesquisador como para a cultura e a época em que estão inseridos, pois é na consideração de ambos os registros que será possível o ideal de objetividade e inteligibilidade nas ciências sociais. 

E) O princípio da objetividade é algo impraticável nas ciências sociais, pois ao considerarem as ações e relações sociais entre indivíduos ou mesmo grupos de indivíduos, os cientistas sociais apenas operam com as subjetividades das sociedades, sem que haja uma compreensão satisfatória dos fenômenos sociais.

UFPR 2023/2024 - Norbert Elias, jogos, esporte, poder, relações sociais

 O texto a seguir é referência para as questões 64 a 66. 

1 Os modelos de competição (que podemos entender como modelos de relações sociais) são classificados em: competição primária 

2 sem regras, competição entre duas pessoas com regras, competição de muitas pessoas a um só nível, competição de dois níveis 

3 do tipo oligárquico, e, competição de dois níveis do tipo crescentemente democrático. Com exceção do primeiro tipo, os modelos se 

4 assemelham a jogos reais como xadrez, futebol, tênis ou tantos outros esportes. Representam a competição segundo regras, as 

5 quais podem variar em sua escala de presença e importância. “Todos os modelos se baseiam em duas ou mais pessoas que medem 

6 suas forças” (ELIAS, 2005, p. 80), ou seja, na distribuição potencial de poder ao longo de uma configuração qualquer. O equilíbrio 

7 de poder, segundo ELIAS (2005), constitui um elemento integral de todas as relações humanas, as quais são, comumente, 

8 multipolares. Nesse caso, os modelos de jogos poderiam ajudar a “uma melhor compreensão do tal equilíbrio do poder, não como 

9 uma ocorrência extraordinária, mas como uma ocorrência cotidiana” (ELIAS, 2005, p. 80). Elias entende que ninguém vem ao mundo 

10 desprovido de poder, pois este é um elemento básico nas relações humanas. Ocorre que como por vezes o desequilíbrio de poder 

11 é muito grande, algumas perspectivas teóricas acabam reificando o poder em suas análises. 

STAREPRAVO, Fernando Augusto; SOUZA, Juliano de; MARCHI JUNIOR, Wanderley. A teoria dos jogos competitivos de Norbert Elias como alternativa à leitura das políticas públicas de esporte e lazer no Brasil. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 26, n. 4, p. 658-659. Adaptado. 

64 - Com base no texto, assinale a alternativa correta. 

A) Os modelos de competição de diversos tipos servem como base para as relações sociais. 

B) As relações sociais podem ser interpretadas a partir de diferentes modelos de competição. 

C) Os variados modelos de competição correspondem exclusivamente a modelos de torneios multipolares. 

D) O equilíbrio de poder humano depende essencialmente de sua configuração em modelos de jogos. 

E) O texto apresenta cinco tipos de competição e apenas o primeiro não representa modelos de relações sociais


65 - Observe o seguinte excerto do texto: 

O equilíbrio de poder, segundo ELIAS (2005), constitui um elemento integral de todas as relações humanas, as quais são, comumente, multipolares. 

Assinale alternativa em que o trecho destacado é parafraseado adequadamente. 

A) Conforme ELIAS (2005), as relações humanas multipolares são elementos constitutivos integrais para o equilíbrio de poder. 

B) É o equilíbrio de poder que constitui integralmente as relações humanas, comumente designadas como multipolares, segundo ELIAS (2005). 

C) Apenas as relações humanas multipolares são constituídas na íntegra pelo equilíbrio de poder, afirma ELIAS (2005). 

D) Para Elias (2005), as relações humanas, geralmente multipolares, apresentam um componente constitutivo: o equilíbrio de poder. 

E) As relações humanas que são multipolares constituem o elemento integral do equilíbrio de poder, segundo ELIAS (2005).

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

A Invenção da Cultura

Segundo o antropólogo Roy Wagner, “a antropologia é o estudo do homem ‘como se’ houvesse cultura [...] é incidental questionar se as culturas existem. Elas existem em razão do fato de terem sido inventadas e em razão da efetividade dessa invenção.” (WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 38-39). Sobre o conceito de invenção da cultura assinale a alternativa INCORRETA:

 

A) O estudo ou representação de uma outra cultura não consiste numa mera “descrição” do objeto de estudo, pois há uma simbolização que está conectada com a intenção inicial do antropólogo de representar o seu objeto de estudo.

B) Um antropólogo “inventa” a cultura que ele está estudando porque não se trata do antropólogo de um lado e da cultura de um povo do outro lado, mas da relação particular que se estabelece entre os dois polos e que deve ser traduzida, com a devida sensibilidade, para a cultura do antropólogo, com as necessárias adaptações de sua própria cultura para proporcionar o entendimento da outra.

C) O pesquisador de campo inventa a cultura porque a objetificação de sua pesquisa ocorre ao mesmo tempo com o seu particular aprendizado da outra cultura.

D) A cultura de um outro povo pode ser apreendida objetivamente como uma coisa a ser descrita e, portanto, a aprendizagem de qualquer cultura é a mesma por um nativo dessa cultura ou por um estrangeiro, por uma criança ou por um adulto.

Cultura com aspas

Segundo a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha: “i) existem direitos intelectuais em muitas sociedades tradicionais: isso diz respeito à cultura; ii) existe um projeto político que considera a possibilidade de colocar o conhecimento tradicional em domínio púbico: isso diz respeito à ‘cultura”. (CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009, p. 358). Cultura e “cultura” (ou cultura com aspas) são conceitos distintos. Sobre o conceito de “cultura” assinale a alternativa INCORRETA:

 

A) Não se trata de uma categoria analítica da antropologia, mas do modo como este conceito foi apropriado como uma categoria vernácula, isto é, o uso local da categoria de cultura.

B) Não se trata do que os antropólogos costumam chamar de cultura, mas sim como os povos indígenas estão chamando de “cultura”.

C) Trata-se da passagem do entendimento da cultura dos povos indígenas como patrimônio da humanidade à cultura indígena simplesmente como patrimônio, e mais especificamente ainda à “cultura” como propriedade particular de cada povo indígena.

D) Trata-se da especificidade dos povos indígenas de serem avessos aos conceitos individualistas de posse e propriedade do capitalismo e, portanto, a cultura dos povos indígenas é coletiva e de domínio público.