Leia o texto abaixo para responder as próximas três questões.
“É comum encontrar-se na etnografia americana a
ideia de que, para os índios, os animais são humanos. Tal formulação condensa
uma nebulosa de concepções sutilmente variadas, que não cabe aqui elaborar: não
são todos os animais que são humanos, e não são só eles que o são; os animais
não são humanos o tempo todo; eles foram humanos mas não o são mais; eles
tornam-se humanos quando se acham fora de nossas vistas; eles apenas pensam que
são humanos; eles veem-se como humanos; eles têm uma alma humana sob um corpo
animal; eles são gente assim como os humanos, mas não são humanos exatamente
como a gente; e assim por diante. Além disso, 'animal' e 'humano' são traduções
equívocas de certas palavras indígenas – e não esqueçamos que estamos diante
de centenas de línguas distintas, na maioria das quais, aliás,
a cópula não costuma vir marcada por um verbo. Mas não importa, no momento.
Suponhamos que enunciados como "os animais são humanos" ou
"certos animais são gente" façam algum sentido, e um sentido que nada
tenha de 'metafórico', para um dado grupo indígena. Tanto sentido, digamos (mas
não exatamente o mesmo tipo de sentido), quanto o que a afirmação aparentemente
inversa, e hoje tão pouco escandalosa "os humanos são animais", faz
para nós.” Suponhamos, então, que o primeiro enunciado faça sentido para, por
exemplo, os Ese Eja [povo indígena] da Amazônia boliviana: "A afirmação,
que eu frequentemente ouvi, de que 'todos os animais são Ese Eja'
Pois bem. Isabella Lepri, estudante de
antropologia que hoje trabalha, por coincidência, junto a esses mesmos Ese Eja,
perguntou-me, penso que em maio de 1998, se eu acreditava que os pecaris são
humanos, como dizem os índios. Respondi que não – e o fiz porque suspeitei (sem
nenhuma razão) que ela acreditava que, se os índios diziam tal coisa, então
devia ser verdade. Acrescentei, perversa e algo mentirosamente, que só
'acreditava' em átomos e genes, na teoria da relatividade e na evolução das
espécies, na luta de classes e na lógica do capital, enfim, nesse tipo de
coisa; mas que, como antropólogo, tomava perfeitamente a sério a ideia de que
os pecaris são humanos. Ela me contestou: "Como você pode sustentar que
leva o que os índios dizem a sério? Isso não é só um modo de ser polido com
seus informantes? Como você pode levá-los a sério se só finge acreditar no que
eles dizem?"
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo.
Mana 8 (1). Abril 2002, p. 132-133.
1) Sobre o modo como a antropologia lidou com
este dilema assinale a alternativa INCORRETA:
A) No início do séc. XX, antropólogos como
Lucien Levy-Bruhl argumentavam que este tipo de afirmação indígena ignorava os
princípios da causalidade e da contradição e, portanto, pertenciam a um estado
pré-lógico.
B) Segundo Eduardo Viveiros de Castro, quando
os indígenas afirmam algo como “os porcos são humanos”, o que o antropólogo
deve se perguntar não é se “acredita ou não” que os porcos sejam humanos, mas o
que uma ideia como essa lhe ensina sobre as noções indígenas de humanidade.
C)
D) Em meados do séc. XX, os antropólogos
perceberam que não era mais possível sustentar teses preconceituosas de que os
povos indígenas seriam pré-lógicos, mas também não conseguiam sustentar que “os
porcos são humanos”, então resolveram o dilema transformando a afirmação indígena
em metáfora, representação, alegoria, analogia: “os porcos são como
humanos”.
2) A relação entre humanos e não-humanos, os
povos não se diferem apenas em suas culturas, mas também no entendimento de
suas naturezas cosmológicas e, de modo geral, Philip Descola percebeu quatro
modos de classificação no globo: animismo, totemismo, naturalismo e analogismo.
Sobre essas classificações, assinale a alternativa CORRETA:
A) No animismo, as entidades são semelhantes em
seus aspectos espirituais, mas diferem em virtude do tipo de corpo.
B) No Naturalismo, as entidades não
compartilham dos aspectos físicos do globo, mas se assemelham com base em
características mentais ou espirituais, seria o caso do Ocidente.
C) No totemismo, não há nem compartilhamento de
semelhanças físicas nem espirituais.
D) No analogismo, há compartilhamento de
semelhanças físicas e espirituais.
3) “Enquanto os pesquisadores, tanto das ciências
duras [exatas, naturais] quanto das ciências humanas, concordam igualmente com
a noção de que há apenas uma natureza e muitas, Eduardo Viveiros de Castro quer
levar o pensamento amazônico a tentar ver como o mundo inteiro seria se todos
os seus habitantes tivessem a mesma cultura e muitas naturezas diferentes.”
(LATOUR, Bruno. Perspectivismo: “tipo” ou “bomba”? 2011, p. 176). Sobre o
conceito de perspectivismo em Eduardo Viveiros de Castro, assinale a alternativa
INCORRETA:
A) Os ameríndios propõem que todo existente
pode ser pensado como pensante (isto existe, logo isto pensa”).
B) a ideia de que os agentes não-humanos
percebem-se a si mesmos e a seu comportamento sob a forma da cultura humana.
C) para
nós “o homem é um lobo para o homem”, para os índios é o lobo que pode ser um
homem para o lobo – mas ainda assim o homem e o lobo não podem ser ambos ou
homens, ou lobos ao mesmo tempo.
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