terça-feira, 24 de outubro de 2023

Perspectivismo, Animismo, Eduardo Viveiros de Castro, Philip Descola

 Leia o texto abaixo para responder as próximas três questões.

 

É comum encontrar-se na etnografia americana a ideia de que, para os índios, os animais são humanos. Tal formulação condensa uma nebulosa de concepções sutilmente variadas, que não cabe aqui elaborar: não são todos os animais que são humanos, e não são só eles que o são; os animais não são humanos o tempo todo; eles foram humanos mas não o são mais; eles tornam-se humanos quando se acham fora de nossas vistas; eles apenas pensam que são humanos; eles veem-se como humanos; eles têm uma alma humana sob um corpo animal; eles são gente assim como os humanos, mas não são humanos exatamente como a gente; e assim por diante. Além disso, 'animal' e 'humano' são traduções equívocas de certas palavras indígenas – e não esqueçamos que estamos diante de centenas de línguas distintas, na maioria das quais, aliás, a cópula não costuma vir marcada por um verbo. Mas não importa, no momento. Suponhamos que enunciados como "os animais são humanos" ou "certos animais são gente" façam algum sentido, e um sentido que nada tenha de 'metafórico', para um dado grupo indígena. Tanto sentido, digamos (mas não exatamente o mesmo tipo de sentido), quanto o que a afirmação aparentemente inversa, e hoje tão pouco escandalosa "os humanos são animais", faz para nós.” Suponhamos, então, que o primeiro enunciado faça sentido para, por exemplo, os Ese Eja [povo indígena] da Amazônia boliviana: "A afirmação, que eu frequentemente ouvi, de que 'todos os animais são Ese Eja'

 

Pois bem. Isabella Lepri, estudante de antropologia que hoje trabalha, por coincidência, junto a esses mesmos Ese Eja, perguntou-me, penso que em maio de 1998, se eu acreditava que os pecaris são humanos, como dizem os índios. Respondi que não – e o fiz porque suspeitei (sem nenhuma razão) que ela acreditava que, se os índios diziam tal coisa, então devia ser verdade. Acrescentei, perversa e algo mentirosamente, que só 'acreditava' em átomos e genes, na teoria da relatividade e na evolução das espécies, na luta de classes e na lógica do capital, enfim, nesse tipo de coisa; mas que, como antropólogo, tomava perfeitamente a sério a ideia de que os pecaris são humanos. Ela me contestou: "Como você pode sustentar que leva o que os índios dizem a sério? Isso não é só um modo de ser polido com seus informantes? Como você pode levá-los a sério se só finge acreditar no que eles dizem?"

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. O nativo relativo. Mana 8 (1). Abril 2002, p. 132-133.

 

1) Sobre o modo como a antropologia lidou com este dilema assinale a alternativa INCORRETA:

 

A) No início do séc. XX, antropólogos como Lucien Levy-Bruhl argumentavam que este tipo de afirmação indígena ignorava os princípios da causalidade e da contradição e, portanto, pertenciam a um estado pré-lógico.

B) Segundo Eduardo Viveiros de Castro, quando os indígenas afirmam algo como “os porcos são humanos”, o que o antropólogo deve se perguntar não é se “acredita ou não” que os porcos sejam humanos, mas o que uma ideia como essa lhe ensina sobre as noções indígenas de humanidade.

C) Atualmente, de modo geral, a antropologia sustenta que, diante de frases indígenas que afirmam coisas como “os porcos são humanos”, é perfeitamente possível para o antropólogo levar a sério os indígenas acreditando no que eles dizem e, ao mesmo tempo, levar a sério a própria cultura ocidental que não considera que porcos sejam humanos sem precisar questionar os pressupostos da própria cultura.

D) Em meados do séc. XX, os antropólogos perceberam que não era mais possível sustentar teses preconceituosas de que os povos indígenas seriam pré-lógicos, mas também não conseguiam sustentar que “os porcos são humanos”, então resolveram o dilema transformando a afirmação indígena em metáfora, representação, alegoria, analogia: “os porcos são como humanos”.

 

2) A relação entre humanos e não-humanos, os povos não se diferem apenas em suas culturas, mas também no entendimento de suas naturezas cosmológicas e, de modo geral, Philip Descola percebeu quatro modos de classificação no globo: animismo, totemismo, naturalismo e analogismo. Sobre essas classificações, assinale a alternativa CORRETA:

A) No animismo, as entidades são semelhantes em seus aspectos espirituais, mas diferem em virtude do tipo de corpo.

B) No Naturalismo, as entidades não compartilham dos aspectos físicos do globo, mas se assemelham com base em características mentais ou espirituais, seria o caso do Ocidente.

C) No totemismo, não há nem compartilhamento de semelhanças físicas nem espirituais.

D) No analogismo, há compartilhamento de semelhanças físicas e espirituais.

 

3) “Enquanto os pesquisadores, tanto das ciências duras [exatas, naturais] quanto das ciências humanas, concordam igualmente com a noção de que há apenas uma natureza e muitas, Eduardo Viveiros de Castro quer levar o pensamento amazônico a tentar ver como o mundo inteiro seria se todos os seus habitantes tivessem a mesma cultura e muitas naturezas diferentes.” (LATOUR, Bruno. Perspectivismo: “tipo” ou “bomba”? 2011, p. 176). Sobre o conceito de perspectivismo em Eduardo Viveiros de Castro, assinale a alternativa INCORRETA:

A) Os ameríndios propõem que todo existente pode ser pensado como pensante (isto existe, logo isto pensa”).

B) a ideia de que os agentes não-humanos percebem-se a si mesmos e a seu comportamento sob a forma da cultura humana.

C) para nós “o homem é um lobo para o homem”, para os índios é o lobo que pode ser um homem para o lobo – mas ainda assim o homem e o lobo não podem ser ambos ou homens, ou lobos ao mesmo tempo.

D) Nas cosmologias ameríndias, as diferenças de mundo ocorrem porque cada espécie interpreta diferentemente a mesma realidade física.

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